Oneyda e Mário
Segunda-feira, 29 de abril de 2024
Última modificação: Sexta-feira, 1 de novembro de 2024
Oneyda Alvarenga, musicista e poetisa varginhense, tinha uma grande amizade com Mário de Andrade, seu professor de música, de São Paulo. Mas como começa essa história?
Oneyda nasceu em Varginha, em 06 de dezembro de 1911, no lar de uma família tradicional e católica, e tinha um grande amor pela música, gostava muito de tocar em seu piano e escrevia também poesias. Com 19 anos, Oneyda quis ir a São Paulo, aperfeiçoar seus estudos de piano, com o mesmo professor que sua prima, Sylvia Alvarenga, havia estudado.
O professor de Oneyda era nada mais e nada menos que Mário de Andrade: poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, ensaísta e fotógrafo, que liderou o Modernismo no Brasil. Mário nasceu em São Paulo, em de 9 de outubro de 1893, e faleceu na mesma cidade onde nasceu, em 25 de fevereiro de 1945. Concluiu seu curso de piano, em 1917, no mesmo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde em 1922, em função do movimento feito com a “Semana de Arte Moderna” e o conhecimento que tinha, tornou-se professor de História da Música e da Estética.
Mesmo não sendo comum na época, seus pais permitiram a viagem, e ela entrou no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. No entanto, sua primeira impressão sobre Mário não foi tão agradável. Ela o descreveu em seu livro “Cartas – Mário de Andrade – Oneyda Alvarenga” como “um homem simpático, elegante, bem vestido, alto, careca, muito feio, a pele de um ocre embaçado e dono de uma voz de quem estivesse com uma batata quente na boca”. Mas essa impressão ruim foi se desfazendo ao longo do tempo.


(ALVARENGA, 1983, p. 7.)
Aluna aplicada e inteligente, logo ganhou a atenção do mestre Mário e a amizade dos dois começou quando a mãe de Oneyda, contou a ele que sua filha escreveu boas poesias, e Oneyda, muito tímida, ficou apavorada, dizendo que seus poemas não eram lá quase nada, apenas versos bobos. E a partir daí, Mário leu, gostou, e até comentou com o amigo Manuel Bandeira. A partir disso, Mário tornou-se não só um orientador de todos os seus textos e estudos, mas aquele amigo que a encorajava e também dela divergia; que refletia sobre muitos temas e à ela confiou trabalhos importantes. E batizou o livro dela com o título de “A Menina Boba”. Segue o comentário do amigo e correspondente, Manuel Bandeira:
“Como este Brasil é cheio de surpresas:(…) encontrei poesia mais grave, mais sutil e meditativamente terna, numa mineirinha de Varginha, Oneyda Alvarenga”; – Manuel Bandeira, sobre os poemas de “A Menina Boba”, in Diário da Noite, Rio de Janeiro.

Essa relação entre eles, inicialmente como aluna e professor, tornou-se então um amor recíproco entre dois amigos confidentes, por meio de cartas trocadas por mais de uma década, até o falecimento do escritor, em 1945, fato que marcou e entristeceu muito Oneyda. Pelas cartas, é possível perceber que os dois já tinham o desejo de se tornarem amigos, mas não conseguiam expressar, afinal no contexto daquela época, não era comum que homens e mulheres pudessem só manter laços de amizade. A profa. pesquisadora Maria do Rosário Alves Pereira, em seu livro “Mário e os Mineiros – A carta como exercício crítico”, no Capítulo: Incursões poéticas de uma menina não tão boba: Oneyda Alvarenga, p.234-235, traz análise pontual sobre essa temática:

“O espaço da amizade entre homem e mulher era permeado por olhares enviesados, mas esses escritores “burlaram”, de algum modo, a ordem estabelecida. O próprio Mário reconhece essa problemática de gênero em carta a Oneyda de 1º de abril de 1935, ao afirmar, comentando decisão da discípula em abandonar um posto recentemente ocupado em uma escola em Varginha: ‘você é mulher, e na organização atual da sociedade, você ainda está destituída de muitas facilidades que foram dadas aos homens’.69”
Entretanto, em 1935, Mário toma a atitude de pedir a amizade de Oneyda, e ela responde dizendo: “Desde que o conheci, Mario, senti que encontrara alguém de quem eu poderia ser profundamente amiga […]. Um amigo a quem eu pudesse dizer tudo, a quem eu mostrasse todos os cantos da minha vida e da minha alma […]”.

Em 1935, Mário confiou à Oneyda um legado importante: a direção da discoteca pública de São Paulo, fundada por ele quando era Diretor do Departamento de Cultura: lá ela permaneceu no cargo até a sua aposentadoria, em 1968. Em 1982, a discoteca recebeu seu nome, passando de “Discoteca Pública” para “Discoteca Oneyda Alvarenga”, como forma de homenagear a sua primeira diretora e toda sua contribuição à cultura e à arte brasileira.

Discoteca Oneyda Alvarenga, no Centro Cultural São Paulo – SP